Após constatar diversos danos ambientais causados em área de preservação permanente (APP), em decorrência da implantação de um gasoduto no Ramal Zene, situado na zona rural de Itapiranga, o Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM) instaurou inquérito civil para investigar as empresas Eneva S/A e Construtora Etam LTDA, responsáveis pela obra. A investigação foi determinada pela promotora de Justiça da comarca, Adriana Monteiro Espinheira.
A ação teve início após relato, via notícia de fato, de degradação ambiental em virtude da abertura de uma estrada para passagem de dutos de tubulação. A obra teria resultado na poluição do igarapé da Maricota, utilizado pelos moradores das Comunidades Maricota 1 e 2 para abastecimento de água potável. A situação, que tornou a água imprópria para consumo, fez com que alguns moradores da comunidade deixassem a área.
Notificadas pelo MPAM, as empresas negaram intervenções no leito ou nas margens do igarapé. Segundo relatório enviado pela Etam, não há relação entre as atividades realizadas pela construtora e a poluição do igarapé.
Na documentação apresentada pela empresa, há registros fotográficos que indicam o processo de carreamento de sedimentos, ou seja, o transporte ou movimentação de solo, areia, detritos e materiais geológicos por agentes naturais, como vento e a água. Essa ação resulta no assoreamento, quando há acúmulo desses sedimentos, e consequente obstrução do fluxo hídrico e poluição.
Uma perícia criminal ambiental, realizada na área no dia 3 de setembro de 2025, utilizando georreferenciamento por satélite, drones, registros fotográficos e observação in loco, comprovou que a Eneva, autorizada pela Licença de Instalação nº 097/2023, expedida pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), descumpriu condicionantes da licença ambiental relacionados à proteção e recomposição de APPs e do corpo hídrico. O Código Florestal (Lei n.º 12.651/2012) estabelece a preservação e recuperação de APPs como obrigação legal e contratual de qualquer empreendimento licenciado.
A Eneva atua na exploração e produção de gás natural, na geração e comercialização de energia elétrica e na oferta de soluções energéticas.
O Laudo de Perícia Criminal nº 10533-2025 indicou danos ambientais significativos, destacando que “não havia distância segura entre o igarapé e a zona de obras”, o que resultou em “danos constatados com elevada gravidade”. Durante a elaboração do laudo, foram identificadas as seguintes irregularidades:
➥ Ausência de floresta ripária, revegetação ou barreiras de contenção nas margens do igarapé, deixando os cursos d’água das proximidades sob risco de contaminação;
➥ Ausência de técnicas de conservação do solo e de medidas ambientais de controle de processos erosivos;
➥ Assoreamento do corpo hídrico, com acúmulo de sedimentos;
➥ Danos diretos e indiretos à saúde da população local, em decorrência do comprometimento da qualidade e da quantidade da água;
➥ Risco epidemiológico na área degradada, aumentando o risco da proliferação de vetores de doenças associados à água parada;
➥ Presença de pedras no interior do igarapé, caracterizando tamponamento do curso d’água já impactado pelo assoreamento;
➥ Presença de lenhas sem destinação comprovada e documentação que permita a rastreabilidade da madeira.
Nova inspeção
No dia 22 de setembro de 2025, a promotora Adriana Espinheira, acompanhada de investigadores da Polícia Civil e de um fiscal ambiental do Município de Itapiranga, realizou nova inspeção in loco. Na ocasião, foi elaborado novo um relatório fotográfico georreferenciado, comprovando que os problemas persistiam e se agravavam.
Segundo o relatório, os danos ambientais e a falta de qualquer intervenção para recuperação da área resultaram no “êxodo dos moradores das comunidades Maricota 1 e 2, que abandonaram suas residências em razão da poluição do igarapé responsável pelo abastecimento local”.
“Conforme o Laudo de Perícia Criminal Ambiental nº 10533-2025 e o relatório de inspeção pessoal, há evidências acerca do descumprimento de condicionantes e restrições ambientais previstas na licença de instalação, concernente a dutos, bem como na licença ambiental única de supressão vegetal, ocasionando danos a recursos hídricos, à biodiversidade, impactos diretos e indiretos à saúde da população local, ao solo da APP, além da ausência de destinação adequada dos resíduos lenhosos e do descumprimento das funções ecológicas próprias da APP”, declarou a promotora responsável pelo inquérito civil.
Diligências
Para investigar o descumprimento de condicionantes ambientais, a promotoria expediu ofício ao Ipaam, solicitando a cópia integral do processo administrativo para concessão das licenças referentes à implantação do gasoduto. O órgão também deve se manifestar sobre o laudo de perícia criminal ambiental, esclarecendo se efetuou fiscalização durante o período das obras.
A Eneva e a Etam também foram notificadas para se manifestar sobre as evidências apresentadas na perícia e acerca do eventual descumprimento dos condicionantes ambientais. As empresas devem apresentar uma proposta de plano de ação emergencial para cessar o processo de assoreamento e a retirada das pedras no igarapé, bem como um plano de reconstituição de APP, com cronograma detalhado, metas e parâmetros técnicos de execução, contemplando o uso de espécies nativas e a manutenção das áreas restauradas.
Por fim, os seguintes encaminhamentos foram direcionados a órgãos públicos locais e nacionais:
➥ Ao Município de Itapiranga, para que comprove, documentalmente, no prazo de 10 dias úteis, o cumprimento do art. 9º da Lei Complementar 140/2011, especificamente em relação à implantação do gasoduto na localidade;
➥ À Agência Nacional de Petróleo (ANP), comunicando a ocorrência e, especialmente, as evidiências;
➥ À Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), à Fundação Cultural Palmares e ao Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária, para que, no prazo de 15 dias, informem se há terras indígenas ou territórios quilombolas na área de influência direta ou indireta do traçado do gasoduto e dos acessos às áreas de intervenção;
➥ Ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Departamento de Polícia Federal, para ciência e adoção das providências cabíveis;
➥ À Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), solicitando, no prazo de 10 dias úteis, que apresente mapa com o georreferenciamento do Igarapé da Maricota, esclarecendo se o curso hídrico é de domínio federal;
➥ Ao Núcleo de Apoio Técnico do MPAM (NAT), solicitando laudo de averiguação de dano ambiental atual e futuro, considerando os aspectos materiais da degradação e os danos extrapatrimoniais associados.