O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados no Supremo Tribunal Federal (STF) foi suspenso após a sessão da manhã desta quarta-feira (3/9) e será retomado em 9 de setembro, com o início do voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, na ação penal que investiga a suposta tentativa de golpe. As defesas concentraram suas falas em versões sobre a minuta do golpe, a delação de Mauro Cid e os atos de 8 de janeiro.
Em dois dias, os ministros da Primeira Turma ouviram as sustentações orais das defesas dos oito réus, que alegaram inocência e questionaram as provas colhidas pela Polícia Federal (PF), além da atuação de Moraes ao longo da ação penal. Todos pediram absolvição, enquanto a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu a condenação de todos os envolvidos, conforme já exposto nas alegações finais.
A defesa mais enfática contra a delação de Cid foi a do general Walter Souza Braga Netto. Os advogados alegaram que as várias versões do ex-ajudante de ordens mostram a fragilidade do acordo. Um dos pontos criticados foi o relato de que o general teria entregado dinheiro para financiar uma tentativa de golpe, informação revelada apenas 15 meses após o início da delação.
“É um escândalo ele esquecer esse detalhe. Não estamos falando de um relógio, de um brinco. Estamos falando da entrega de um dinheiro para financiar um golpe de Estado. Vai se dar credibilidade a esse réu colaborador, que mente descaradamente o tempo inteiro? Não é possível. Meu cliente está preso com base na delação dele. Foi esse fato que trouxe a prisão do meu cliente. É um irresponsável esse tenente-coronel Mauro Cid. É um irresponsável, para ser educado”, afirmou o advogado José Luis Mendes de Oliveira Lima, o Juca.
A defesa de Jair Bolsonaro, apontado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, como líder da suposta organização criminosa, também contestou a credibilidade de Cid, afirmando que o delator mentiu em diversas ocasiões.
Os advogados sustentaram que o ex-presidente foi “dragado” para os atos de 8 de janeiro e negaram qualquer vínculo com a operação “Punhal Verde e Amarelo”. “Não há uma única prova [sobre isso]”, disse o advogado Celso Vilardi.
“Não há uma única prova que atrele o presidente ao Punhal Verde e Amarelo, à operação Luneta e ao 8/1. Nem o delator, que sustento que mentiu, chegou a dizer participação no Punhal, Luneta, Copa 2022 e 8 de janeiro”, ponderou Vilardi.
Para ele, as contradições e omissões de Cid deveriam anular a colaboração premiada. “Um assunto encerrado gerar uma pena de 30 anos não é razoável. O que está acontecendo é trazer algo que se traz para crimes contra a vida, de assassinato de pessoas, para o 8 de Janeiro. Esses são os fatos que dão o contorno de uma acusação tão grave, e sobre eles não há prova”, completou a defesa de Bolsonaro.
Críticas a Moraes
Parte das defesas também mirou no relator. A defesa de Augusto Heleno alegou falta de imparcialidade e criticou Moraes por acumular, segundo os advogados, papéis de acusador e julgador. “O juiz não pode tornar-se protagonista do processo”, disse o advogado Matheus Milanez.
O advogado também comparou o número de perguntas feitas durante os interrogatórios: Moraes teria formulado 302, contra 59 feitas por Gonet.
Já os advogados de Mauro Cid pediram que os ministros mantenham os benefícios da delação. Afirmaram que as supostas contradições são resultado da pressão e do abalo psicológico do delator, e não de má-fé. A defesa afastou a tese de coação por parte da PF e de Moraes.
“Não é exigido que um colaborador, como Mauro Cid — que se expôs, perdendo a carreira, que se afastou da família, dos amigos — consiga trazer detalhes sem nenhuma contradição. Isso é algo que a natureza do ser humano autoriza, que algumas vezes ele possa dar alguma escorregada. [Mas] nada, nada, jamais sem comprometer o acordo de delação”, disse o advogado Jair Alves Pereira.
Sobre as mensagens atribuídas a Cid em conversas com o advogado Eduardo Kuntz, representante do ex-assessor Marcelo Câmara, a defesa afirmou que não são verdadeiras e lembrou que o documento nunca foi registrado em cartório. O caso é alvo de inquérito da PF.
Crimes imputados a Bolsonaro e demais réus:
- Organização criminosa armada.
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
- Golpe de Estado.
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima (com exceção de Ramagem).
- Deterioração de patrimônio tombado (com exceção de Ramagem).
Os crimes atribuídos a Alexandre Ramagem — deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado — foram suspensos por terem ocorrido após a diplomação, atendendo parcialmente ao pedido da Câmara dos Deputados.
Outras frentes
A defesa de Alexandre Ramagem também contestou a denúncia da PGR e a versão de Cid. Segundo o advogado Paulo Renato Garcia Cintra Pinto, Ramagem atuava apenas como “compilador oficial da República”, reunindo falas já ditas por Bolsonaro em discursos, no “cercadinho” do Alvorada e em outras ocasiões.
“É muito grave dizer que Alexandre Ramagem seria ensaísta de Jair Bolsonaro. Não, não é. Quando muito ele era grande compilador oficial da República, porque o que tinha naqueles documentos eram declarações públicas e reiteradas [de Bolsonaro]”, afirmou.
O advogado pediu ainda a exclusão do crime de organização criminosa, por supostamente ter ocorrido após a diplomação, assim como de outros crimes imputados. Também pediu que elementos do indiciamento de Ramagem na “Abin Paralela” não sejam utilizados no julgamento.
O ex-ministro da Justiça Anderson Torres concentrou a defesa em rebater a acusação de falsificação de um bilhete de viagem para justificar uma suposta fuga. Para o advogado Eumar Novacki, a PGR tenta induzir os ministros ao erro.
“Nessa data, nem sequer havia qualquer relação aos atos de 8 de janeiro”, afirmou. Segundo ele, a viagem a Orlando havia sido programada desde novembro de 2022 para férias em família.
“O objetivo era confundir a população. Tirar o foco das provas do processo. Uma tentativa de levar os julgadores a erro. O MP tinha consciência de que toda a tese acusatória se baseava numa fuga para os Estados Unidos. Nós conseguimos provar que, na verdade, era uma viagem de férias com a família”, disse Eumar.
Sem provas
Já o advogado Demóstenes Torres, responsável pela defesa do ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos negou que o militar tenha colocado tropas à disposição para apoiar um golpe de Estado.
Segundo ele, não há provas apresentadas pela PGR nesse sentido. “O procurador-geral ficou apenas com a afirmação de que ele teria colocado tropas à disposição, evidentemente por ausência de lastro”, disse.
Demóstenes, durante 22 minutos iniciais de sustentação, não falou da defesa e se concentrou em elogios aos ministros do STF e em recordações pessoais de sua relação com Bolsonaro.
A defesa do ex-ministro da Defesa general Paulo Sérgio afirmou que o militar atuou para “demover” Jair Bolsonaro de possíveis tentativas de golpe. O advogado Andrew Fernandes declarou que “ele atuou ativamente para demover o presidente da República de qualquer medida nesse sentido [de golpe]”.
“O receio do general Paulo Sérgio era que alguma liderança militar levantasse o braço e rompesse. O general Paulo Sérgio tinha a responsabilidade de ser o ministro da Defesa e honrar a memória de Caxias, da unidade das Forças Armadas, contra qualquer medida de exceção”, completou. O general foi o único réu que compareceu ao julgamento até o momento.
Acusação
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, salientou, ao defender a condenação de todos, conforme já detalhado por ele nas alegações finais, que, quando Bolsonaro optou por se reunir com os comandantes das Forças Armadas, o objetivo não era uma consulta constitucional, mas sim a conspiração de um golpe de Estado.
“Quando o presidente da República e o ministro da Defesa se reúnem com comandantes militares, sob sua direção política e hierárquica, para consultá-los sobre a execução da fase final do golpe, o golpe, ele mesmo, já está em curso de realização”, destacou Gonet, durante o julgamento.
O PGR ponderou que “tem-se, até esta altura provada, na cadeia de fatos, a consumação da ruptura democrática”. “Está visto que, em vários momentos, houve a conclamação pública do então presidente da República para que não se utilizassem as urnas eletrônicas previstas na legislação, sob a ameaça de que as eleições não viessem a acontecer, bem como atos de resistência ativa contra os seus resultados”, acrescentou.
Gonet afirmou ainda que Bolsonaro e aliados não conseguiram lidar com o inconformismo em perder as eleições e, por isso, tramaram para que houvesse um golpe no Brasil. “Os golpes podem vir de fora da estrutura existente de poder, como podem ser engendrados pela perversão dela própria. O nosso passado e o de tantas outras nações oferecem ilustrações dessa última espécie: o inconformismo com o término regular do período previsto de mando costuma ser fator deflagrador de crise para a normalidade democrática provocada pelos seus inimigos violentos”, salientou o procurador-geral.
Julgamento
Com o fim das sustentações orais das defesas e da manifestação da PGR, o julgamento será retomado em 9 de setembro, com o voto do ministro Alexandre de Moraes. Conforme apurou o Metrópoles, a chance de haver pedido de vista na ação penal é remota, especialmente por parte do ministro Luiz Fux que, em outras ocasiões, divergiu de Moraes em pontos do processo — sobretudo em relação às versões da delação de Mauro Cid, foco central das defesas nos últimos dois dias.
O presidente da Turma, ministro Cristiano Zanin, convocou sessões extraordinárias para os dias 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro de 2025, das 9h às 12h, além de uma sessão extraordinária no dia 12, das 14h às 19h. O ministro também agendou sessões ordinárias para os dias 2 e 9, das 14h às 19h. A expectativa é que o julgamento seja concluído em 12 de setembro.
Bolsonaro e aliados são réus por tentativa de golpe, com o objetivo de impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após as eleições de 2022 e manter o então presidente no poder.
Confira os réus do núcleo crucial
- Alexandre Ramagem: ex-diretor da Abin, ele é acusado pela PGR de atuar na disseminação de notícias falsas sobre fraude nas eleições.
- Almir Garnier Santos: ex-comandante da Marinha, ele teria apoiado a tentativa de golpe em reunião com comandantes das Forças Armadas, na qual o então ministro da Defesa apresentou minuta de decreto golpista. Segundo a PGR, o almirante teria colocado tropas da Marinha à disposição.
- Anderson Torres: ex-ministro da Justiça, ele é acusado de assessorar juridicamente Bolsonaro na execução do plano golpista. Um dos principais indícios é a minuta do golpe encontrada na casa de Torres, em janeiro de 2023.
- Augusto Heleno: ex-ministro do GSI, o general participou de uma live que, segundo a denúncia, propagava notícias falsas sobre o sistema eleitoral. A PF também localizou uma agenda com anotações sobre o planejamento para descredibilizar as urnas eletrônicas.
- Jair Bolsonaro: ex-presidente da República, ele é apontado como líder da trama golpista. A PGR sustenta que Bolsonaro comandou o plano para se manter no poder após ser derrotado nas eleições e, por isso, responde à qualificadora de liderar o grupo.
- Mauro Cid: ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator do caso. Segundo a PGR, ele participou de reuniões sobre o golpe e trocou mensagens com conteúdo relacionado ao planejamento da ação.
- Paulo Sérgio Nogueira: ex-ministro da Defesa, ele teria apresentado aos comandantes militares decreto de estado de defesa, redigido por Bolsonaro. O texto previa a criação de “Comissão de Regularidade Eleitoral” e buscava anular o resultado das eleições.
- Walter Souza Braga Netto: é o único réu preso entre os oito acusados do núcleo central. Ex-ministro e general da reserva, foi detido em dezembro do ano passado por suspeita de obstruir as investigações. Segundo a delação de Cid, Braga Netto teria entregado dinheiro em uma sacola de vinho para financiar acampamentos e ações que incluíam um plano para matar o ministro Alexandre de Moraes.