A Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM) recorreu da decisão de 2ª Instância que autorizou a retomada das obras de uma usina de energia solar que vinha poluindo um igarapé em São Gabriel da Cachoeira, distante 856 quilômetros de Manaus. O Agravo Interno será analisado pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM).
Atendendo a um recurso da empresa Vp Flexgen (Brazil) Spe Ltda., a relatora do caso no TJAM autorizou a retomada das obras, que haviam sido suspensas em 1ª Instância a pedido da DPE-AM.
A DPE-AM demonstrou, no âmbito de uma Ação Civil Pública (ACP), que as obras resultaram no derramamento de sedimentos no leito do igarapé Palestina, poluindo o curso d’água que abastece a comunidade Amazonino Mendes, na Zona Rural do município.
A empresa, por sua vez, apresentou as licenças que garantiram a realização das obras, medidas mitigadoras da poluição — como a distribuição de água potável e a colocação de rip-rap —e um “Termo de Conciliação Interinstitucional” para a retomada da obra que apresenta uma série de vícios, entre eles a tentativa de deslegitimar a atuação da DPE-AM.
No recurso ao tribunal, além de recorrer pela suspensão da obra até a manifestação do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), o defensor Wilson Oliveira de Melo Júnior solicita que sejam mantidas “as providências para impedir a progressão dos danos causados ao igarapé e nascentes; o fornecimento de água à comunidade tradicional local; e a elaboração de um plano emergencial de recuperação ambiental da área”.
O defensor reforça que a empresa forneceu água para a comunidade apenas no primeiro momento, por força da decisão de 1ª Instância.
Wilson Melo Júnior destaca que o quadro é sensível. “Sabe-se que é importante para a comunidade que seja construída a usina de energia solar, contudo, a empresa tem o dever de realizar a construção com a devida técnica, observando a legislação ambiental”.
De acordo com o recurso, o cenário demonstra que não há interesse da empresa em, de fato, “solucionar a questão em juízo, com a devida tratativa com a Defensoria Pública, que está aberta para estabelecer um acordo justo e reparador para as comunidades tradicionais ribeirinhas”.
“A retomada das obras antes de uma avaliação ambiental completa e independente do órgão competente (IPAAM) — que ainda não se manifestou formalmente com um relatório conclusivo, apesar das intimações — representa um risco significativo de agravamento do dano ambiental, indo contra o princípio da precaução no direito ambiental”, aponta.
“A realidade é que, atualmente, o igarapé Palestina está comprometido, e a população tradicional da região não possui acesso à água potável”, conclui o defensor, no recurso ao TJAM.
Ilegalidades e coação
O termo de conciliação incluído pela empresa nos autos do processo foi assinado por representantes da empresa, vereadores e integrantes da comunidade afetada pelas obras.
À Justiça, o defensor Marcelo Henrique Barbosa, da 1ª Defensoria Pública do Polo do Alto Rio Negro, explicou que o documento foi elaborado, finalizado, assinado e, por fim, enviado à Defensoria Pública “sem que a própria Defensoria tivesse participado de quaisquer tratativas”.
De acordo com o defensor, o termo foi claramente redigido para beneficiar exclusivamente a empresa, mesmo trazendo alguns poucos benefícios à comunidade Amazonino Mendes, que, segundo ele, “foi coagida, constrangida e pressionada a assinar o documento”.
“Buscou-se, com esse instrumento, tentar atrair a Defensoria para, por exemplo, renunciar a seu pedido de condenação em dano moral coletivo no valor de R$ 1,5 milhão. Isto porque, ao aderir a tal documento, bastaria à Ré requerer a sua homologação para que, como num passe de mágica, a possibilidade dessa condenação fosse reduzida a pó. E isso — repita-se — sem que a Ré tenha trocado uma única palavra, escrita ou falada, com a legítima Autora da ação”, ressalta.
No recurso ao TJAM, o defensor Wilson Melo Júnior afirma que “não se pode admitir que as obras sigam sem qualquer contrapartida da empresa, que, curiosamente, ao invés de propor, em juízo, os termos do acordo apresentado, preferiu buscar ‘solucionar’ a questão através de terceiros, sem legitimidade para assumir as obrigações ali inseridas”.
Sobre a obra e a Ação Civil
Em março deste ano, a empresa Vp Flexgen (Brazil) Spe Ltda. iniciou uma obra no terreno da usina termelétrica para a construção de uma unidade voltada à geração fotovoltaica de energia.
Após receber relatos da possível poluição provocada pelas obras, a DPE-AM realizou uma vistoria no local juntamente com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), quando verificaram que todos os sedimentos retirados do processo de terraplanagem foram jogados no barranco, onde estão algumas das nascentes.
Com as chuvas torrenciais, em pouco tempo, a terra atingiu o curso do igarapé Palestina, de onde os moradores da comunidade Amazonino Mendes tiram água para beber e uso em geral. A partir disso, as águas mudaram totalmente de cor, evidenciando a poluição.
Laudo técnico da Semma indicou a presença, nas águas do igarapé, de altos níveis de ferro e manganês, que podem causar neurotoxicidade.
A DPE-AM, então, ajuizou uma ACP pedindo a suspensão liminar das obras, a realização de medidas mitigadoras e o pagamento de uma indenização por dano moral coletivo de R$ 1,5 milhão.