São Paulo — A dona da clínica de reabilitação e um enfermeiro investigados pela torturada seguida de morte do dependente químico Jarmo Celestino de Santana, 55 anos, em Cotia, na Grande São Paulo, já foram denunciados por exercício ilegal da profissão e por colocar em risco a saúde e a vida de quatro adolescentes.
Segundo o Ministério Público de São Paulo (MPSP), em outra unidade ilegal administrada por ambos, jovens internados para tratar dependência química eram obrigados a trabalhar em uma obra em troca de doces e cigarros.
Como mostrou o Metrópoles, o monitor terapêutico Matheus de Camargo Pinto, 24 anos, confessou ter espancado Jarmo, em um áudio compartilhado por ele na internet, e foi preso em flagrante pelo crime. O paciente da clínica morreu segunda-feira (8/7) após dar entrada em um Pronto Socorro de Vargem Grande Paulista com hematomas por todo o corpo e na cabeça.
Em 2019, Terezinha de Cássia de Souza Lopes da Conceição, 50 anos, e Cleber Fabiano da Silva, 48, administravam uma outra clínica de reabilitação clandestina em Cotia, mesma cidade em que Jarmo foi torturado, entre sexta-feira e o último domingo (7/7), segundo investigações da Polícia Civil.
Da mesma forma que na clínica Efatá, lacrada nesta semana, a Unidade Terapêutica Gênesis, administrada pela mulher e pelo enfermeiro, foi interditada há cerca de cinco anos.
Trabalho forçado por cigarro
Na unidade Gênesis, segundo denúncia do MPSP obtida pelo Metrópoles, a proprietária e o enfermeiro “expunham a risco” de saúde e de vida quatro adolescentes, com idades entre 16 e 17 anos, que estavam internados na clínica ilegal.
No documento, o promotor Ricardo Navarro Soares Cabral afirma que Terezinha e Cleber forçavam os adolescentes a trabalhar como serventes de pedreiro, em uma obra em frente à clínica, em troca de doces e cigarros.
Além disso, Cleber e Terezinha, segundo a denúncia, “forçavam todos os pacientes a tomarem remédio para dormir, mesmo sem qualquer prescrição médica”.
Ao Metrópoles, a advogada Terezinha Cordeiro, que defende o casal, afirmou que, por ora, “não tem nada a declarar”.
Má alimentação
Além dos trabalhos forçados e da administração irregular de medicamentos, os denunciados “não tratavam bem às vítimas”, pontua o promotor.
“Elas [vítimas] recebiam alimentação à base de sopa, arroz, feijão, salsicha e ovo, e eram, constantemente, xingadas, tratadas com desprezo e ignorância, principalmente por Terezinha”.
A situação precária veio à tona após um dos adolescentes fugir da unidade, em 9 de setembro de 2019, e pedir ajuda ao Conselho Tutelar. A conselheira Andréia Simplício, de acordo com a Promotoria, foi até a clínica, onde “Cleber e Terezinha mentiram”.
Eles teriam afirmado que somente um adolescente era assistido na unidade. Porém, a conselheira encontrou os outros três jovens trabalhando, como serventes de pedreiro, na obra em frente à clínica.
O estabelecimento foi fiscalizado pela Vigilância Sanitária, que apurou “diversas irregularidades”, concluindo que o local era “insatisfatório e de risco” para os pacientes.
A clínica foi interditada mas, como mostrou o Metrópoles, Terezinha e Cleber administraram ao menos mais duas unidades depois, de forma irregular, entre elas a comunidade terapêutica na qual Jarmo morreu no inicio desta semana, após ser torturado por um monitor.
“Cobri no pau”
O monitor Matheus amarrou Jarmo em uma cadeira e decidiu gravar a cena. No vídeo, ele aparece, juntamente com outras pessoas, debochando do paciente. Todos usavam roupas de frio enquanto a vítima estava sem camisa, vestindo somente uma bermuda.
O monitor também gravou um áudio, falando sobre a violência. “Cobri [a vítima] no cacete, cobri…Chegou aqui na unidade, [veio] pagar de bravo, cobri no pau”, afirmou.
Após ser preso, Matheus afirmou ter usado de força contra Jarmo, alegando que fez isso para “conter” o interno. Segundo o indiciado, o homem estaria exaltado e violento com outros pacientes.
As investigações, agora, focam na identificação de mais pessoas que possam ter participação na tortura seguida de morte.