Garantir atendimento de saúde aos povos indígenas com qualidade é um dos principais desafios das políticas públicas no Brasil, em especial no território amazônico. Segundo o Censo de 2010, apenas na Região Norte são 342,8 mil indígenas de mais de 200 etnias, com diferentes perfis etnoculturais, vivendo em isolamento geográfico e com indicadores de saúde abaixo da média brasileira. Foi pensando nessa realidade desafiadora que a Fundação Amazonas Sustentável (FAS), em parceria com a Wellcome Trust em Londres, no Reino Unido, desenvolveu um modelo inovador de projeto de pesquisa com soluções para saúde indígena na Amazônia.
A proposta começou em 2018 e tem a cooperação entre diferentes atores do governo, sociedade civil e academia. A perspectiva é melhorar o atendimento nas comunidades indígenas, propondo soluções viáveis para mudar os padrões dos atuais serviços de saúde indígena. Para isso, a FAS utilizou sua expertise com o trabalho que já realiza em 581 comunidades tradicionais, ribeirinhas e indígenas no Amazonas.
“Cada vez mais investimos no aprimoramento das ações que fazemos visando resultados que tenham maior impacto tanto na conservação ambiental quanto na melhoria da qualidade de vida, em especial na redução da pobreza em comunidades ribeirinhas e populações indígenas com as quais trabalhamos”, explica o superintendente geral da FAS, Virgilio Viana.
Diagnóstico
Os pilares do projeto foram baseados na realização de um diagnóstico geral sobre a situação da saúde indígena, na identificação dos principais problemas e soluções, e na proposta de projeto de pesquisa para testá-las e colocá-las em prática em escala piloto. Tudo foi construído por meio de oficinas colaborativas com a participação de órgãos governamentais, agentes da sociedade civil e institutos de pesquisa e ensino. Instituições como a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), Fundação Oswaldo Cruz, Universidade de Brasília (UnB), Centro de Medicina Indígena, Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e secretarias municipais e estadual de saúde foram alguns dos atores envolvidos.
“A metodologia do projeto foi colaborativa, com oficinas e reuniões com vários atores para identificar os desafios e elaborar recomendações e propostas a fim de subsidiar uma potencial reforma no sistema de saúde indígena. Nas oficinas, promovemos o diálogo e o compartilhamento de lições aprendidas, construindo um arcabouço técnico-científico para propor um projeto que tivesse impacto transformativo junto às populações indígenas”, disse a gerente do Programa de Soluções Inovadoras da FAS, Gabriela Sampaio.
Construção de soluções
Os principais desafios identificados pelo projeto foram o desconhecimento, desrespeito e desconsideração com saberes e práticas tradicionais da medicina indígena nos sistemas de saúde pública aplicados aos indígenas; atendimento inapropriado aos indígenas dentro das unidades do sistema de saúde pública, que não levam em consideração questões étnicas e culturais indígenas; e implementação ineficiente das políticas públicas para a saúde indígena.
A partir desse diagnóstico, a FAS construiu uma proposta de projeto piloto de pesquisa-ação para aplicar soluções em campo, com ênfase na formação de profissionais e estratégias capazes de melhorar o atendimento aos indígenas na Amazônia. Dentro a proposta de projeto piloto, está prevista a valorização dos saberes e práticas tradicionais; elaboração de diretrizes para formação de profissionais indígenas e não indígenas; promoção da educação continuada dos agentes sanitários; e adoção de uma abordagem sistêmica, multiprofissional e comunitária, com ênfase nos cuidados com saúde materno-infantil, doenças infectocontagiosas e parasitárias e saúde mental; entre outros.
Os resultados do projeto de pesquisa também serviram de base para novas iniciativas da FAS. “Com a pandemia, a dificuldade do acesso à saúde para indígenas e ribeirinhos na Amazônia ficou mais evidente. Partiu então da FAS a proposta do projeto ‘SUS na floresta’, que vai repensar o modelo de atenção básica de saúde para essas populações. Muito do que foi construído no ‘SUS na floresta’ partiu das recomendações e sugestões do projeto em parceria com a Wellcome Trust. Foi o start para uma discussão mais ampla sobre a saúde pública indígena”, informou Gabriela Sampaio.
Esperanças
Divino Cruz da Silva é técnico em enfermagem na comunidade Três Unidos, na Área de Proteção Ambiental (APA) Rio Negro, que é coordenada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema). Para ele, as ações da FAS representam um grande avanço para oferecer melhores condições de trabalho dentro das comunidades indígenas. “Não só para nós técnicos, mas para outros profissionais de saúde que nos ajudam a auxiliar a população. Tivemos melhoras, tanto para a população indígena quanto para a não-indígena. Não ficamos mais sem assistência. Dentro do permitido, temos medicação, aplicação de vacinas e atendimentos básicos”, conta.
Para o cacique José da Silva, da comunidade Nova Esperança na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Puranga Conquista, a expectativa com o projeto da FAS é de melhorias na estrutura de atendimento em saúde dentro das aldeias. “O sonho nosso, não só meu como da aldeia toda, é ter uma estrutura melhor e que ofereça um atendimento de qualidade para o nosso povo. Onde a equipe médica possa chegar e ter conforto para trabalhar, possa fazer um bom atendimento e deixar a comunidade feliz”, compartilha.