Novo ministro da Saúde criticou abertamente isolamento vertical

PODER 360 – O oncologista Nelson Teich, sucessor de Henrique Mandetta como ministro da Saúde, afirmou em 3 de abril que o chamado isolamento vertical não é “uma solução definitiva para o problema” da dispersão do novo coronavírus. A estratégia, que consiste em isolar apenas idosos e pessoas com doenças crônicas, é amplamente defendida pelo presidente Bolsonaro e foi uma das razões do desgaste entre o chefe do executivo e Mandetta.

Teich publicou 1 artigo sobre as ações de enfrentamento à pandemia da covid-19 em 3 de abril. Até então, o médico considerava o isolamento de toda população a “melhor estratégia” para evitar a propagação do coronavírus:

“O isolamento horizontal é uma estratégia que permite ganhar tempo para entender melhor a doença e para implantar medidas que permitam a retomada econômica do país”.

Sobre o isolamento vertical, o oncologista escreveu:

Essa estratégia também tem fragilidades e não representaria uma solução definitiva para o problema. Como exemplo, sendo real a informação que a maioria das transmissões acontecem a partir de pessoas sem sintomas, se deixarmos as pessoas com maior risco de morte pela Covid-19 em casa e liberarmos aqueles com menor risco para o trabalho, com o passar do tempo teríamos pessoas assintomáticas transmitindo a doença para as famílias, para as pessoas de alto risco que foram isoladas e ficaram em casa. O ideal seria um isolamento estratégico ou inteligente”.

Teich atuou como consultor para a área da saúde na campanha de Bolsonaro em 2018, quando chegou a ser cotado para assumir o Ministério da Saúde pela 1ª vez e acabou perdendo a vaga para Henrique Mandetta.

SAÍDA DE MANDETTA

No mesmo dia da publicação do artigo, o atual ministro da Saúde afirmou que “médico não abandona paciente” e que só deixaria do cargo por decisão do presidente da República. No dia 6 de abril, rumores da demissão de Mandetta se fortaleceram e ele recebeu apoio de servidores e internautas.

À noite, o ministro declarou que ficaria no cargo e pediu “paz para prosseguir”.

O cenário se alterou depois de uma entrevista ao programa Fantástico da TV Globo no último domingo (12.abr). Mandetta comentou das divergências entre a postura do ministério e do Presidente no combate à covid-19, que já matou mais de 1.760 pessoas no país.

Na 4ª (15.abr), o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira, pediu demissão. Ele afirmou em carta a sua equipe que a gestão de Mandetta tinha chegado ao fim. Mandetta negou o pedido e disse que todos sairiam juntos do ministério. A decisão foi comunicada em entrevista coletiva com tom de despedida.

Mais tarde, no mesmo dia, o ministro admitiu não há como permanecer no governo. À revista Veja, Mandetta disse: “fico até encontrarem uma pessoa para assumir meu lugar”.

LEIA A ÍNTEGRA DO ARTIGO DE TEICH

“Esse artigo é dividido em duas partes. Na primeira falamos das ações para enfrentamento da crise causada pela Covid-19, algo que em grande parte já faz parte da visão da população e dos gestores. Na segunda parte vou abordar alguns pontos que acredito podem ter impacto nas avaliações, nas escolhas e nas definições de políticas e ações. 

Podemos dividir as ações para o enfrentamento da crise atual desencadeada pela Covid-19 em alguns pilares:

1.  Entender que o atual momento é marcado por enorme falta de informação e grande incerteza em relação a Covid-19. Essa incerteza se aplica à história natural da doença e sua evolução, ao impacto final no nível de saúde das pessoas e da sociedade, ao tempo que a sociedade vai ter que conviver com uma mudança radical no seu dia a dia, e aos possíveis desdobramentos sociais e econômicos consequentes à doença e às medidas que vão sendo tomadas. 

Um nível de incerteza muito alto obriga gestores a rever quase que diariamente, com bases em novas informações que vão sendo acumuladas, as escolhas, políticas e ações que foram previamente determinadas. Isso torna crítica a capacidade de gerar informação detalhada, completa e confiável, em tempo real.

2.     Estruturar os sistemas de saúde público e privado para que tenham a capacidade de oferecer os cuidados necessários para a população, durante o período da epidemia a após o seu término. O sistema de saúde vai ter que administrar uma enorme demanda reprimida ao término da crise da Covid-19.

3.     Tomar medidas que permitam ao Sistema de Saúde atender todos os que necessitam de cuidado durante a crise da Covid-19:

3.a.     Reduzir o volume da entrada simultânea de novos pacientes no Sistema de Saúde para que se consiga atender tanto aqueles com diagnóstico de Covid-19 quanto aqueles com outras doenças e problemas que não podem ter o seu cuidado postergado.

3.b.     Aumentar a capacidade do Sistema de Saúde para atender com qualidade a uma demanda aumentada de pacientes, estruturando a operação de forma que ela seja segura para os profissionais de saúde, e trabalhando em iniciativas voltadas a hospitais, leitos, equipamentos como respiradores, Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e Recursos Humanos. 

3.c.      Iniciar programas de Telemedicina que vão auxiliar nos processos de diagnóstico e tratamento, permitindo que isso seja conseguido mantendo o distanciamento que protege profissionais e pacientes. 

4.     Iniciar uma estratégia que permita estruturar e coordenar a retomada das atividades normais do dia a dia e da economia. 

5.     Iniciar programas e pesquisas para avaliar as melhores estratégias de diagnóstico, prevenção, tratamento e monitoramento da Covid-19 e suas consequências.

6.     Criar um programa de Informação e Inteligência que consolide todas as informações críticas que vão permitir entender a doença e suas consequências e definir as políticas e ações adequadas.

7.     Trabalhar o Brasil com o detalhamento necessário por estados ou regiões, permitindo que as ações e políticas sejam implementadas na sequencia ideal nas diferentes regiões do país, auxiliando nas estratégias de logística e transferência de recursos de uma parte do país para outra. Isso vai evitar a compra de insumos e equipamentos de forma simultânea para todo o país, algo importante não só pelo custo financeiro, mas também por uma possível escassez de recursos para compra que pode acontecer em diferentes momentos ao longo da crise. 

8.     Pesquisa na busca de Vacinas e Tratamentos que atuem sobre a Covid-19.

Vou comentar agora alguns pontos que me parecem críticos na avaliação da situação atual e no desenho dos próximos passos.

Vamos começar falando sobre a polarização que está acontecendo entre a saúde e a economia. Esse tipo de problema é desastroso porque trata estratégias complementares e sinérgicas como se fossem antagônicas. A situação foi conduzida de uma forma inadequada, como se tivéssemos que fazer escolhas entre pessoas e dinheiro, entre pacientes e empresas, entre o bem e o mal. 

Um dos temas mais importantes relacionados à saúde de uma sociedade são os “Determinantes Sociais da Saúde” (DSS) , que são aquelas variáveis que impactam na expectativa e na qualidade de vida das pessoas. Cuidados em Saúde, Estabilidade Econômica, Educação e Condições Sociais são alguns desses determinantes e não existe uma definição clara do peso de cada um desses fatores no tempo de vida e no bem estar das pessoas. Todos precisam ser abordados simultaneamente, com o mesmo cuidado e atenção, principalmente em tempos de crise.

Quando medimos os benefícios das intervenções em Saúde usando a mortalidade e o sofrimento como desfechos principais e os benefícios da intervenção econômica sendo medidos usando número de empresas que quebram e as perdas financeiras e de empregos, naturalmente criamos um conflito e uma disputa intensa e desigual que impede a percepção de objetivos e metas comuns, e não leva a cooperação no desenho de programas e políticas. Qualquer escolha e ação, seja ela da saúde, econômica ou social, tem que ter na mortalidade o seu desfecho final, por mais difícil que seja chegar a esses números. É a única forma de comparar as ações e escolhas que são feitas de uma forma técnica, justa e equilibrada. 

Outro ponto é que fala-se muito que a saúde tem que ser abordada de uma forma técnica, mas isso também vale para iniciativas econômicas e sociais. Uma abordagem técnica é aquela em que as ações e as consequências das ações são decididas e avaliadas com base em dados objetivos e indicadores. Como o impacto das decisões sociais e econômicas na mortalidade e na qualidade de vida não é simples ser medido, acabamos tratando tais escolhas e abordagens como políticas, o que é um erro.

Felizmente, apesar de todos os problemas, a condução até o momento foi perfeita. Pacientes e Sociedade foram priorizados e medidas voltadas para o controle da doença foram tomadas. Essa escolha levou a riscos econômicos e sociais, que foram tratados com medidas desenhadas para resolver possíveis desdobramentos negativos das ações na saúde.

O isolamento/distanciamento social. 

Aqui vamos tratar isolamento e distanciamento como se fossem a mesma coisa, apesar de existir diferença entre esses conceitos.

Diante da falta de informações detalhadas e completas do comportamento, da morbidade e da letalidade da Covid-19, e com a possibilidade do Sistema de Saúde não ser capaz de absorver a demanda crescente de pacientes, a opção pelo isolamento horizontal, onde toda a população que não executa atividades essenciais precisa seguir medidas de distanciamento social, é a melhor estratégia no momento. Além do impacto no cuidado dos pacientes, o isolamento horizontal é uma estratégia que permite ganhar tempo para entender melhor a doença e para implantar medidas que permitam a retomada econômica do país.

Outro tipo de isolamento sugerido é o isolamento vertical. Nessa opção apenas um grupo de pessoas é submetido ao isolamento, no caso aquelas com maior risco de morrer pela doença, como idosos acima de 60 anos e pessoas com outras doenças que aumentam o risco de morte pela Covid-19. Essa estratégia também tem fragilidades e não representaria uma solução definitiva para o problema. Como exemplo, sendo real a informação que a maioria das transmissões acontecem à partir de pessoas sem sintomas, se deixarmos as pessoas com maior risco de morte pela Covid-19 em casa e liberarmos aqueles com menor risco para o trabalho, com o passar do tempo teríamos pessoas assintomáticas transmitindo a doença para as famílias, para as pessoas de alto risco que foram isoladas e ficaram em casa. O ideal seria um isolamento estratégico ou inteligente. Vamos falar sobre isso mais à frente.

Testes em massa

Testes em massa para a Covid-19 são necessários para o entendimento do comportamento da doença e para definir as melhores estratégias e ações.

Se os dados preliminares estiverem corretos, 80% dos pacientes com a Covid-19 não apresentam sintomas ou são pouco sintomáticos. Nesse cenário, a concentração dos testes em pacientes internados e mais graves, não vai permitir entender a epidemiologia da doença, o que implica no não conhecimento da sua incidência, evolução, prevalência, transmissibilidade e letalidade. 

Projeções e Modelos Matemáticos

As informações sobre a Covid-19 vindo de outros países mostram um cenário assustador, grave e caótico nunca antes vivido no mundo no último século. Nesse cenário de grande incerteza em relação a história natural da Covid-19,  é necessário fazer escolhas e definir ações para abordar a crise atual. Na busca de tomar decisões mais embasadas, modelos matemáticos são criados e utilizados para realizar projeções com objetivo de ajudar no desenho de estratégias, políticas e ações.

As projeções que são feitas tomando por base modelos matemáticos alimentados com premissas incorretas causam grandes problemas. Os números gerados pelos modelos, que deveriam ser tratados apenas como possíveis cenários, cercados de enorme incerteza quanto a sua possível realidade,  acabam sendo tratados como uma evolução provável, quase como um fato concreto.  Não podemos assumir que vamos adivinhar o que vai acontecer no Brasil através do uso de modelos matemáticos ou da extrapolação do que acontece em outros países, até mesmo porque quando olhamos o cenário mundial vemos realidades muito diferentes entre os países na evolução da doença e não é simples entender os reais motivos dessas diferenças.

Tomando como exemplo as projeções do Imperial College London, que foi feita em 27 de Março, o cenário mais pessimista projetava 1.152.283 mortes no Brasil. A  Gripe Espanhola de 1918, uma das maiores pandemias da história da humanidade, de acordo com estudos realizados, infectou 25% da população mundial e matou 2,5% (500 milhões e 50 milhões pessoas respectivamente). No Brasil ela matou cerca de 35.000 pessoas. Em 1918 a população brasileira era de 28.9 milhões de habitantes. Fazendo um ajuste para a população atual que gira em torno de 212.5 milhões de pessoas, o número equivalente de mortes no Brasil pela Gripe Espanhola seria de 257 mil pessoas. Os números do Imperial College da Covid-19 para o Brasil projetaram uma mortalidade 4,4 vezes maior que aquela ocorrida na Gripe Espanhola. Parece um exagero. Com medidas de supressão precoce, as projeções do número mortes pelo Imperial College para o Brasil cairiam para 44.212, uma redução de 96%. Parece outro exagero. A ideia aqui é mostrar que mesmo instituições renomadas e de referência podem fazer projeções que levam a cenários extremamente improváveis, que podem causar mais ansiedade e medo do que auxiliar na compreensão e solução de problemas.

Isolamento Social

Finalmente vamos falar sobre o isolamento. Usando um conceito que hoje permeia a saúde, ele deveria ser personalizado. Um modelo semelhante ao da Coreia do Sul. Essa estratégia demanda um conhecimento maior da extensão da doença na população e uma capacidade de rastrear pessoas infectadas e seus contatos. Estamos falando aqui do uso de testes em massa para Covid-19 e de estratégias de rastreamento e monitorização, algo que poderia ser rapidamente feito com o auxilio das operadoras de telefonia celular. Esse monitoramento provavelmente teria uma grande resistência da sociedade e demandaria definição e aceitação de regras claras de proteção de dados pessoais.

Considerações Finais

Tudo o que foi falado é muito fácil de falar, mas muito difícil de fazer acontecer. Demanda uma gestão centralizada e estruturada, incluindo o sistema público nos níveis federal, estadual e municipal, a saúde suplementar e contribuições da iniciativa privada. 

Também é fundamental o alinhamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Gerir e fazer acontecer em períodos de crise é um desafio enorme. 

Estamos vivendo um tempo de guerra e tempos de guerra, apesar de todas as dificuldades e perdas, são períodos onde grandes inovações acontecem, inclusive na saúde. 

Essa é uma guerra diferente, em guerras convencionais a maior busca da inovação está voltada para fuzis, aviões de guerra, armas nucleares. Nesse caso nossas maiores inovações vão estar no campo da informação, das vacinas, dos medicamentos e na capacidade de rever nossas rotinas do dia a dia.

Espero que logo ali na frente a gente consiga encontrar ou desenvolver tratamentos que curem a Covid-19, para que a história natural da doença seja mudada e para que possamos retornar a um dia a dia mais leve e agradável, idealmente mudado para melhor pelo aprendizado desses tempos de guerra.