“Vamos lucrar”: Artigo de Dallagnol sobre “companheiro(a)” usado como “laranja” ou “testa de ferro” foi usado no Mensalão

“Se tudo der certo nas palestras, vai entrar ainda uns 100k [R$ 100 mil] limpos até o fim do ano. Total líquido das palestras e livros daria uns 400k [R$ 400 mil]. Total de 40 aulas/palestras. Média de 10k limpo”.

Hugo Souza, no blog Come Ananás, lembrou que, em 2010, foi publicado o livro “Lavagem de Dinheiro – Prevenção e Controle Penal”.

Relata o Hugo:

Organizada por Carla Veríssimo De Carli, a coletânea reúne artigos de 15 autores, entre eles dois futuros procuradores da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima e aquele que viria a ser o chefe da task force da República de Curitiba, Deltan Martinazzo Dallagnol.

Na página 342, escreve Dallagnol:

“O uso de familiares para movimentação e a fim de figurarem como proprietários nominais de bens, valores e empresas, merece destaque em separado em razão de sua frequência, ainda que os familiares possam ser enquadrados em outras categorias, como a dos laranjas e testas de ferro. Sob o ponto de vista do criminoso, o uso de pessoa com vínculo familiar, de um lado, apresenta certa desvantagem por haver maior probabilidade de ser foco da atenção, do que outro terceiro (laranja, testa de ferro, fantasma ou ficto), em uma investigação mais ampla ou profunda. De outro lado, é altamente tentador, pois não demanda maior esforço – quase toda pessoa possui relação com pais, ou filhos, ou irmãos, ou possui um companheiro(a), chama menos a atenção no momento do uso, e apresenta segurança, decorrente do vínculo de confiança, tanto sob o prisma econômico como de manutenção do segredo”.

No ano seguinte, em 2011, o então procurador-geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, usou o excerto de Dallagnol sobre o uso de “companheiro(a)” como laranja, “sob o ponto de vista do criminoso”, nas alegações finais da ação penal nº 470 no STF – o julgamento do mensalão.

O excerto foi utilizado por Gurgel, naquelas alegações, para embasar a acusação ao “companheiro” João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara, de ter recebido R$ 50 mil em vantagens indevidas oriundas da SMP&B Comunicação, de Marcos Valério, por intermédio de sua esposa, a “companheira” Márcia Regina Milanésio Cunha.

Escreveu Gurgel, introduzindo o excerto do marido de Fernanda Dallagnol: “o recebimento do dinheiro por interposta pessoa constitui ato tipificador do crime de lavagem de dinheiro. Há inúmeras referências na literatura especializada relatando o emprego de parentes como intermediários para a prática de crimes dessa natureza. Conforme [diz] o Procurador da República Deltan Martinazzo Dallagnol”.

João Paulo Cunha está preso. O livro “Lavagem de Dinheiro – Prevenção e Controle Penal”, ganhou uma segunda edição em 2013, com capa dura, “atualizado pela lei 12.683/2012, após o julgamento da Ação Penal 470”. Não foi só o livro: depois do processo do Mensalão, algo no Brasil também mudou, não foi para melhor, e é altamente sintomático que o nome de um notório “cidadão da República de Curitiba” já constasse naqueles autos também.

A coletânea em que aparece Dallagnol