Processo de Atibaia é uma farsa, qualifica Lula

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou um depoimento tenso à juíza substituta Gabriela Hardt no processo sobre o sítio em Atibaia em que travou embates com a magistrada em alguns momentos e classificou de “farsa” a acusação do Ministério Público Federal de que ele teria recebido propina na forma de reformas realizadas no imóvel.

Nas mais de duas horas de depoimento, Lula declarou-se “desconfortável” e demonstrou incômodo durante todo o tempo. Ele se irritou com representantes do MPF e, mais de uma vez, a juíza, que substitui Sérgio Moro nos processos da Lava Jato em Curitiba, pediu que o ex-presidente mudasse seu tom.

Isso aconteceu logo no começo do depoimento, quando Lula indagou à juíza do que era acusado e, depois da explicação de que a ação se tratava dos supostos benefícios obtidos com a reforma, o petista indagou: “Doutora, eu só queria perguntar para o meu esclarecimento, porque eu estou disposto a responder toda e qualquer pergunta: eu sou dono do sítio ou não?”

A juíza, que assumiu os processos após Moro aceitar ser ministro da Justiça do presidente eleito Jair Bolsonaro, foi dura na resposta.

“Isso é o senhor que tem que responder, não eu, e eu não estou sendo interrogada neste momento”, rebateu.

“Senhor ex-presidente, esse é um interrogatório e se o senhor começar nesse tom comigo a gente vai ter problema. Então vamos começar de novo, eu sou a juíza do caso, eu vou fazer as perguntas que eu preciso para que o caso seja esclarecido, para que eu possa sentenciá-lo, ou algum colega possa sentenciá-lo… Eu não vou responder interrogatório nem questionamentos aqui, está claro?”

Claramente irritado, Lula, que deixou a sede da Polícia Federal em Curitiba pela primeira vez nesta quarta desde que foi preso em abril, criticou o Ministério Público, referindo-se mais de uma vez à apresentação em power point feita pelo coordenador da força-tarefa da Lava Jato, procurador da República Deltan Dallagnol, que apontava o ex-presidente como chefe de uma organização criminosa que atuava na Petrobras.

“O primeiro processo que eu fui vítima foi uma farsa, uma mentira do Ministério Público com um power point. A segunda é outra farsa e eu estou pagando esse preço. Eu vou pagar porque sou um homem que crê em Deus, creio na Justiça e um dia a verdade vai prevalecer”, afirmou.

Em outro momento de tensão, Lula disse que, se fosse presidente do PT à época da apresentação do power point, pediria que todos os filiados do partido processassem o MP.

“Eu estou cansando, não sei até onde isso vai e o que vai acontecer. É um processo de mentira atrás de mentira… e tudo começou com o power point, se o power point tivesse sido desmentido no ato em que ele foi feito”, disse Lula.

“Eu vou dizer uma coisa para você, procurador, que eu não poderia dizer. Quando eu vi o power point, eu falei para o PT, se eu fosse o presidente do PT, eu pediria para que todos os filiados do PT no Brasil inteiro abrissem processo contra o Ministério Público para ele provar.”

Gabriela Hardt, então, interrompeu Lula e afirmou que ele estava tentando intimidar a acusação.

“O senhor está intimidando a acusação assim. Por favor, vamos mudar o tom”, disse a juíza. “O senhor está intimidando, instigando. O senhor está intimidando, eu não vou permitir”, afirmou a magistrada. Lula negou que estivesse tentando intimidar os procuradores.

DONA MARISA

No depoimento, Lula, que é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro no caso por supostamente ter recebido as reformas como vantagem indevida pagas pela Odebrecht, pela OAS e pelo pecuarista José Carlos Bumlai, também disse não acreditar na versão dada por Bumlai e por outros envolvidos de que a ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, já falecida, tenha solicitado a reforma no sítio.

“Eu tenho muita dúvida se a Dona Marisa pediu para fazer a reforma, muita dúvida. Como ela não está aqui para se explicar, eu fico com a minha dúvida”, disse Lula. “Agora ficou fácil citar o nome da Dona Marisa, porque ela morreu.”

O ex-presidente afirmou que Dona Marisa não tinha relações com as empreiteiras e que o sítio não pertencia a ela e, portanto, não havia motivo para que ela solicitasse a reforma.

Lula também disse que não tinha conhecimento das obras de reforma feitas no sítio de Atibaia e declarou, mais de uma vez, que o MPF estava reconhecendo que o imóvel não lhe pertencia. Também mais de uma vez, Gabriela Hardt disse que a acusação não era a de que o petista é o proprietário do sítio.

“Vamos definir isso? Veja, eu nunca conversei com ninguém sobre as obras no sítio de Atibaia porque eu queria provar que o sítio não era meu. E hoje, aqui, nessa tribuna, vocês me deram o testemunho: o sítio não é do seu Lula”, disse.

“Primeiro, nenhum empresário disse que as obras eram vinculadas a mim. Segundo, você hoje me dá um testemunho de que o sítio não é meu. Eu vim aqui achando que vocês iam me desmoralizar, mostrar um escritura, que eu paguei, que eu recebi, mas vocês não fizeram nada disso.”

Em nota, a defesa de Lula disse que ele “rebateu ponto a ponto as infundadas acusações do Ministério Público em seu depoimento, reforçando que durante o seu governo foram tomadas inúmeras providências voltadas ao combate à corrupção e ao controle da gestão pública e que nenhum ato de corrupção ocorrido na Petrobras foi detectado e levado ao seu conhecimento”.

Lula foi o último acusado a prestar depoimento no processo do sítio. Agora será aberto prazo para que as partes apresentem suas alegações finais e, após isso, o processo ficará pronto para sentença.

BRASIL 247