Aos 75, Gilberto Gil comemorou os 40 anos do seu clássico álbum “Refavela” em clima de festa de família, como se convidasse as milhares de pessoas que foram ao Sesc Itaquera, em São Paulo, neste domingo (10) para uma confraternização na casa dos Gil. Onde mais, afinal, se veria o vovô Gil interpretar o super-herói ‘Pum de Pizza’ para o neto Dom?
“Eu faço esse personagem para os meus netinhos”, disse Gil, fazendo pose “assustadora” e voz grossa -mais de vilão que de herói- enquanto o pequeno Dom, 5, se escondia atrás da mãe. “Ele vem aos domingos, depois da pizza. E enche a cidade de gases nocivos se a criança não fizer o dever de casa, nem respeitar o papai e a mamãe.”
O clima familiar, no quinto do show da turnê “Refavela 40”, era inevitável. Dividiam o palco com o cantor e compositor baiano, filho, filha, nora, neto e outros “filhos adotivos” (a mulher estava nos bastidores). E foram de Bem Gil, guitarrista que produz o novo disco de inéditas do pai, a ideia e a direção do espetáculo que celebra o álbum.
Segundo disco da trilogia “Re”, formada também por “Refazenda” (1975) e “Realce” (1979), “Refavela” foi inspirado por uma viagem de Gil para um festival de cultura na Nigéria naquele mesmo 1977. Com uma mistura de influências da música africana, samba, blocos afros, reggae e funk, o álbum celebra “um novo sentimento em relação à força da cultura negra”.
SALA DE ESPERA
Mas o dono da festa demorou a chegar. Gil só participou do último -e melhor- terço do show. Antes disso, Bem, diferente do pai -discreto no palco e econômico nas palavras- contou com a ajuda das presenças carismáticas de Moreno Veloso (filho de Caetano) e Maíra Freitas (filha de Martinho da Vila) para conduzir as músicas e segurar o pique da apresentação antes da entrada do convidado principal.
Uma banda de peso e os backing vocals de Nara Gil (filha do cantor) e Ana Cláudia Lomelino (mulher de Bem) também contribuíram para que a espera por Gil não fosse nada dolorosa.
Vestindo figurino com estampas de inspiração africana, os músicos cantaram canções do disco original, como a faixa-título, “Ilê Aiyê” e “Aqui e Agora”, intercaladas a outras que ficaram de fora do álbum ou que foram gravadas na mesma época.
Céu, identificada como “cantora de Sampa” e inserida, sob muitos aplausos, como elemento local entre músicos que moram em sua maioria no Rio, interpretou algumas dessas músicas intrusas, como “Gaivota”, gravada por Ney Matogrosso, e “Jamming”, do álbum “Exodus”, de Bob Marley, gravado no mesmo ano que “Refavela”.
FORA, TEMER? JÁ ESTÁ FORA…
Enquanto Céu cantava “Jamming”, Gil entrou no palco, todo de branco e, antes da hora prevista, assumiu os vocais e o comando do público. E emendou com mais uma exaltação aos blocos afro da Bahia em “Patuscada de Gandhy”. Ainda que ele só participe de sete das 21 músicas do show, é uma alegria ver Gil revigorado no palco, fazendo suas dancinhas, cantando bem e contando causos para a plateia.
Entre uma música e outra, falou sobre a gênese do disco e a origem da palavra “Refavela”, inspirada no local em que Gil e outros músicos ficaram hospedados durante o evento em Lagos, na Nigéria. “Como era o nome daquilo que o Paulo Maluf construiu aqui?”, perguntou ao público. “Isso, Cingapura. Era uma espécie de Cingapura, de Vila Olímpica.”
“Quarenta anos depois, estamos aqui com as crianças, os meninos. Andamos, a vida andou conosco”, disse o cantor, com discurso emocionado que, involuntariamente, fez irromper na plateia um grito coletivo de “fora, Temer”. Vários membros da festa familiar – Nara, Céu, Maíra…- se juntaram ao coro. Gil só assistiu. Em seguida, acrescentou: “Já está fora, né?” E, com sua típica calma baiana, ponderou: “Se vai ficar por lá, é muito pouco. Um ano só…”
Gil, então, começou a introduzir novamente uma música de “Exodus”, “disco fundamental na música negra do mundo”, mas foi docemente interrompido pelo filho Bem: “Pai, antes você vai cantar uma música com a sua filha Nara…””É mesmo?”, riu Gil. “Então, vou.”
Dividiu os vocais de “É”, outra que ficou fora do disco, com Nara, para aí sim voltar ao “refavelado Bob Marley” e emendar “Three Little Birds”. Comprovando a afinidade entre os dois álbuns e os dois artistas, o público festejou tanto as músicas de Gil quanto as de Bob.
A animação da plateia foi crescendo junto com a do baiano em direção ao fim do show, que teve “Babá Alapalá”, “Sítio do Pica Pau Amarelo” e um bis de “Sandra”. Além da energia de Gil, as grandes revelações do evento foram a cantora e pianista Maíra Freitas, que ganhou o público, com sua voz potente e energia contagiante, e o pequeno Dom, neto de Gil, que, com ritmo e gingado impressionantes para seus cinco anos, já é promessa de continuação de linhagem musical Gil.
A turnê de “Refavela 40” segue agora para Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre. Ao final, para manter o espírito de confraternização familiar, Gil encerrou com uma daquelas mensagens de pai-vô: “A educação dos filhos não termina nunca. Quarenta anos depois, estou vindo aqui para ter aula com eles”. Com informações da Folhapress.