Hidroterapia ajuda a melhorar qualidade de vida de crianças com microcefalia

Famílias de crianças com microcefalia recebem, em Salvador, aulas gratuitas de hidroterapia, como forma de melhorar a qualidade de vida dos pequenos. A iniciativa faz parte do projeto Abraço à Microcefalia, formado por familiares e profissionais de saúde que busca fortalecer a rede de mães e ampliar o cuidado às crianças e familiares.

O projeto é inteiramente gratuito e atende 150 famílias. Como forma de extensão e oferta de mais um serviço, a educadora física Karina Meyer, diretora da rede de academias de atividades aquáticas, abraçou a causa e decidiu ceder o espaço uma vez por semana, com professores voluntários, que fazem parte de uma escala.

Segundo Karina, a ideia não é substituir terapias e atividades feitas por outros profissionais, mas fornecer às crianças um momento lúdico de relaxamento, pois a água morna melhora o desconforto dos movimentos das crianças com microcefalia.

“Foi um desafio novo que abraçamos, porque nunca tínhamos trabalhado com crianças com tantas especificidades. Conheci as fundadoras do projeto [Abraço à Microcefalia], me sensibilizei e resolvi oferecer esse serviço gratuito às famílias que já fazem parte da iniciativa. Nossos professores voluntários criaram grupos de estudos para podermos aprimorar conhecimentos e entender a realidade dessas crianças, mas o intuito não é substituir o serviço de nenhum profissional”, diz.

Hidroterapia e bem-estar

A educadora física Karina Meyer diz que, nos exercícios fora d’água, as crianças sentem dor porque têm rigidez muito forte nas articulações. “Na água, eles conseguem executar movimentos com mais facilidade. Percebemos na expressão facial delas o quanto é lúdico, prazeroso e relaxante. São crianças que passam por muito estresse como dores e outras patologias trazidas pela microcefalia. A gente promove socialização e o trabalho é também com as famílias, costumo dizer que é um trabalho socioafetivo”, diz.

As aulas ocorrem todas as sextas-feiras, em duas unidades do espaço, nos bairros Pituba e Villas, em Salvador. Os exercícios são feitos em piscinas com água aquecida, em aulas que duram 30 minutos, para duas turmas por sexta-feira.

Os estímulos que a criança recebe dentro da água facilitam o desenvolvimento motor, área prejudicada devido ao grau de comprometimento cerebral que a doença provoca. De acordo com o quadro de especialistas da academia que oferece o serviço gratuito, a mínima sustentação de peso dentro da água contribui para que o tratamento tenha eficácia em casos de dores, inflamações, espasmos musculares, movimentos, força e geram melhor qualidade de vida para pacientes e familiares.

Relaxamento

A melhora no dia a dia das crianças é notada, sobretudo, por pais e mães que acompanham as atividades dentro da água, junto com os bebês. A microempresária, Ingrid Guimarães, é mãe de Nicole, de 1 ano e meio. Ela diz que as atividades melhoram nas tarefas com a filha, como dar banho e alimentar, algo que foi notado em apenas um mês de aulas.

“A maioria dos bebês tem hipertonia muscular [tônus forte], então precisam relaxar e isso fica mais fácil com a água morna. No dia a dia, para dar banho é mais tranquilo, na interação ela relaxa e dorme muito bem. As disfunções no sono são comuns por conta da microcefalia, mas a hidroterapia ajuda muito na qualidade do soninho dela”, diz a mãe de 27 anos, que diz desejar o acesso a esses serviços para um número maior de famílias.

Outro bebê que participa das aulas semanais é Pedro, de 1 ano e 5 meses. Acompanhado pelos pais, o menino chorou um pouco ao entrar na água, mas logo se acalmou e curtiu as brincadeiras, orientadas pela “Prô Karina”, e executadas pela mãe Deisiane Cardoso. Ela conta que o filho tem uma especificidade causada pela microcefalia: além de ser sensível a movimentos bruscos, sente dor a toques mais firmes na própria pele. Dentro da água, a leveza do líquido fornece alívio à criança e faz com que ele se acostume, aos poucos, ao toque.

“Pedro não tem a mesma rigidez e firmeza que as outras crianças, além disso, tem a alta sensibilidade que o incomoda e assusta. Então, a água permite esse contato contínuo, mas de forma leve e delicada”, diz a mãe que comemora a amizade e parceria criada com as outras famílias a partir da microcefalia. Segundo ela, existe o compartilhamento de informações, serviços, atendimentos e de experiências com cada criança no convívio com os pais.

“No dia a dia, a gente executa exercícios que a professora ensina. Até para tomar banho ele chorava muito e hoje isso melhorou 100%. Eu agradeço muito pelo projeto, não falto nenhuma aula, espero que, mais para frente, todas as mães tenham essa oportunidade, porque os resultados são nítidos tanto a curto, como a longo prazo”, diz Deisiane, de 28 anos.

Ao falar sobre a troca que tem, como ser humano, a professora Karina se emociona e declara que ganha muito em cada aula. A troca de experiências e a especificidade de cada criança proporcionam, segundo ela, um aprendizado jamais adquirido de outra forma.

A microcefalia é uma malformação que pode ser identificada ainda durante a gestação, em exames de ultrassonografia, nos quais se medem a circunferência do crânio do feto, que se apresenta menor que em fetos sem a anomalia. A condição neurológica rara pode ser causada por infecções adquiridas pela mãe, principalmente nos três primeiros meses de gravidez. Entre as principais infecções que podem causar a microcefalia, estão a toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e, recentemente, a descoberta do vírus Zika  como um dos principais causadores da malformação nos últimos dois anos.

Apesar do tamanho da cabeça dos bebês, menor que dos demais, a microcefalia existe por conta de um atraso no desenvolvimento cerebral e pode se associar a outras complicações, como dificuldades para se alimentar, dificuldade no controle muscular, irritabilidade, crises convulsivas, atraso no desenvolvimento, desordens psicomotoras, distúrbios auditivos e visuais e comprometimentos articulares.

Vírus Zika

O vírus Zika  é transmitido pelo mosquito Aedes Aegypti, que também é vetor de outras doenças, como dengue e chikungunya. No caso do zika, a doença pode ocasionar malformações neurológicas, como encefalomielite aguda, microcefalia e Síndrome de Guillain-Barré. Outras complicações vêm sendo estudadas e descobertas por especialistas, como a ocorrência de hidranencefalia, que provoca o acúmulo de líquido em áreas que deveriam estar preenchidas pelo cérebro, dentro do crânio dos bebês.

Por conta da complexidade de efeitos causados pelo zika, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia passou a notificar, desde outubro de 2015, casos de Síndrome Congênita Associada à Infecção pelo vírus Zika , em vez de registrar somente como microcefalia. Desde então, foram notificados, até janeiro deste ano, 1.555 casos da síndrome, entre os quais, 30 tiveram confirmação da existência do vírus da zika, em exames laboratoriais.