Ministério Público Federal no Amazonas (MPF-AM) entrou com uma ação na Justiça pedindo o pagamento de R$ 2 milhões por danos morais coletivos pela morte de cinco detentos indígenas durante a rebelião de 1° de janeiro no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus. A indenização deverá ser paga pela União, o estado do Amazonas, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Umanizzare, empresa que administra o presídio. Além disso, o órgão solicita que seja criado um espaço exclusivo nas unidades prisionais para indígenas “onde eles possam exercer seus direitos de identidade, culturais, espirituais e religiosos sem qualquer tipo de discriminação étnica”.
De acordo com o MPF, falta controle dos órgãos do sistema penitenciário e da Funai em relação à população indígena sob custódia no Amazonas. Exemplo disso, ressalta a ação, foi o fato de a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária ter informado que não havia nenhum interno indígena entre as vítimas do massacre. Mas, de acordo com o procurador Filipe Pessoa de Lucena, uma investigação do órgão concluiu, com base em documentos e relatos de diversas testemunhas, que três eram da etnia miranha, um da etnia baré e outro sem etnia identificada.
“A gente teve a ciência, pelas pessoas que trabalham na Funai, de que várias famílias de índios estavam procurando o órgão para poder saber como seria a assistência jurídica naquele momento pós-óbito. E a gente ouviu as lideranças indígenas a que pertenciam aqueles índios, ou que tinham tido algum tipo de contato com esses indígenas que morreram. E as lideranças reconheceram esses cinco mortos como índios sim”, afirmou o procurador.
Seguro externo
Também foi apurado, segundo o MPF, que os indígenas que morreram na rebelião eram discriminados pelos demais detentos. De acordo com o procurador, por causa da dificuldade de adaptação nos pavilhões comuns, eles foram transferidos pela administração do Compaj para um espaço chamado de “seguro externo”, mesmo local onde ficam detentos ameaçados de morte.
“No contexto da rebelião, foi dada ordem para matar facções minoritárias e quem estava no seguro externo, que eram os excluídos do sistema prisional, aqueles que não eram aceitos pelos demais presos, aqueles condenados por estupro, as facções minoritárias e os índios. Os índios foram relegados então para o fronte, na primeira linha da violência penitenciária quando tem rebelião. Em razão disso eles morreram, já que não tem um local adequado para eles cumprirem pena. Então foi isso que motivou a ação civil pública”, explicou.
Na ação do MPF amazonense constam ainda três pedidos urgentes. Um deles é a retomada, em até 30 dias, do Projeto de Atenção Integral a Indígenas em Situação de Encarceramento no Estado do Amazonas, para realizar um mapeamento completo nas 18 unidades prisionais do estado dos indígenas sob custódia. Também foi requisitada a apresentação de um protocolo básico de identificação no momento em que o detento entra no sistema prisional e uma proposta de capacitação dos agentes penitenciários para instruí-los sobre o respeito à cultura indígena no sistema prisional.
A reportagem solicitou um posicionamento da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, da Funai, e da empresa Umanizzare sobre a ação do MPF. Entretanto, até a publicação desta reportagem não obteve retorno.
Cadeia Pública
Uma outra ação do MPF-AM solicita o envio urgente da Força Nacional de Segurança Pública para atuar na Cadeia Pública Raimundo Desembargador Vidal Pessoa, no centro de Manaus. Segundo o órgão, em março foi feita uma recomendação com o mesmo objetivo à Secretaria Nacional de Segurança Pública. Contudo, em resposta, a pasta “não informou, expressamente, se acataria as medidas recomendadas e sugeriu apenas a remessa do documento à Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas”.
No dia 8 de janeiro, uma rebelião na cadeia pública resultou na morte de quatro detentos e na fuga de 14. De acordo com o MPF, atualmente os internos estão sem receber visitas de familiares e o prédio não possui infraestrutura suficiente, “situação que impossibilita o normal cumprimento da pena pelos presidiários”. O presídio estava desativado desde outubro do ano passado, mas foi reaberto para abrigar detentos do Compaj após a rebelião de 1° de janeiro, que resultou na morte de 56 internos.
A Secretaria Estadual de Administração Penitenciária informou que as visitas de familiares aos 196 internos da cadeia pública já foram retomadas. De acordo com a pasta, o local deve ser desativado até o dia 15 de maio, data limite acordada com o Tribunal de Justiça do Amazonas e o Sistema de Segurança Pública do estado. Os detentos devem ser transferidos para uma ala do Centro de Detenção Provisória II, que já está em fase de conclusão para receber os internos. Sobre a ação do MPF, a reportagem solicitou um posicionamento à Secretaria, e aguarda retorno.
Uma equipe da Força Nacional atua no Compaj desde então prestando auxílio na administração com protocolos de segurança para revistas, atuação e treinamento operacional dos agentes. Na ação civil pública, o MPF pede que esses serviços também sejam estendidos à cadeia pública. O órgão solicitou ainda que, caso a Justiça atenda ao pedido, determine o cumprimento da medida no prazo de cinco dias, sob pena de diária de R$ 50 mil por dia de descumprimento.